Goiânia: Cartão Integração é usado por apenas 5,67%

06/09/2010

Alfredo Mergulhão - O Popular

Gláucia Silva (à esquerda) pega três ônibus no trajeto entre casa e trabalho

Criado com a promessa de transformar cada ponto de ônibus em um terminal, o Cartão Integração ainda é uma realidade distante do cotidiano dos moradores da Região Metropolitana de Goiânia. Desde o lançamento do serviço, em outubro do ano passado, apenas 5,67% das pessoas que utilizam diariamente o transporte coletivo aderiram ao sistema que permite aos passageiros pagar uma tarifa para utilizar duas linhas de ônibus, sem a necessidade de ir até os terminais.

Depois de quase 11 meses disponível, foram confeccionados e estão em uso somente 45 mil cartões. A baixa adesão mantém os terminais lotados, faz com que passageiros tenham de acordar cada vez mais cedo e pegar até quatro ônibus para chegar ao trabalho no horário. Tudo para não pagar dois bilhetes. Diariamente, cerca de 800 mil pessoas usam o sistema de transporte coletivo da Região Metropolitana da capital.

Gláucia Mara da Silva levanta todos os dias antes do sol nascer. Às 5h40 a empregada doméstica já está no ponto para embarcar no ônibus que vai do Jardim Itaipu até o Terminal Garavelo. No trajeto até o emprego, numa residência localizada no Condomínio Alphaville, ela ainda passa pelos terminais Isidória e Praça da Bíblia. "Demoro mais de duas horas para chegar no trabalho. Fico sempre cansada e não tenho tempo para a família", disse Gláucia que, aos 33 anos, é mãe de três filhos pequenos.

No caso de Glaucia, nem mesmo a aquisição do Cartão Integração resolveria o problema, uma vez que a única linha de ônibus que abastece a região de condomínios fechados onde trabalha leva os passageiros somente até o Terminal da Praça da Bíblia. "Se o ônibus fosse pelo menos até o Centro, ajudaria. Mas como tenho de ir ao terminal de qualquer jeito, nem faz diferença ter o cartão", reclama.

O metalúrgico Fernando Alves de Souza tem uma rotina parecida à da empregada doméstica, com a diferença no itinerário. O rapaz de 26 anos mora no Parque Ateneu e trabalha no Parque Industrial João Braz. Leva duas horas para chegar ao destino, depois de pegar quatro ônibus e passar pelos Terminais Isidória, Praça A e Dergo.

O metalúrgico poderia abreviar o percurso, caso desembarcasse no Centro de Goiânia e pegasse outro ônibus direto para o trabalho. No entanto, ele desconhece o procedimento para fazer um Cartão Integração que, em tese, resolveria o problema. "A gente só lembra quando a televisão mostra. Não tem nada explicativo sobre como fazer", disse Fernando.

A falta de campanhas explicativas colabora para a baixa adesão ao serviço de integração do transporte. Praticamente não existe informações nos terminais. O POPULAR percorreu três terminais no dia 1º. Na Praça da Bíblia havia apenas um banner pendurado a pelo menos 6 metros de altura. No Terminal Cruzeiro, uma funcionária não sabia informar o que é o Cartão Integração. Pediu para perguntar no guichê, que remeteu a reportagem até um balcão de informações que não tinha ninguém.

No Terminal Isidória não tinha informação alguma, assim como em dezenas de ônibus observados. Os usuários do transporte coletivo também atestam que não há material impresso para difundir o benefício, que pode representar economia de tempo, de dinheiro e mais qualidade de vida aos trabalhadores. "Acho que poderiam ter cartazes pregados atrás da cabine dos ônibus e nos terminais", acentua a técnica em enfermagem Josete Cristina Figueiredo.

Estudantes
Francisca Eridan Araújo Marins soube do Cartão Integração por colegas do trabalho. Como as amigas da funcionária pública estão satisfeitas com o serviço, também resolveu emitir o seu. Na tarde da última quarta-feira ela foi até o prédio do Sindicato de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de Goiânia (Setransp) com a documentação. Mesmo quem se inscreve pela internet precisa cumprir esse procedimento, o que acaba afastando os usuários. Segundo uma atendente do Setransp, a procura pelos cartões é escassa.

Havia também o projeto de em até 12 meses estender o benefício a estudantes e a trabalhadores que optam por receber vale-transporte no trabalho. O benefício ainda não saiu do papel, como atesta o doutorando em Ciências Ambientais da Universidade Federal de Goiás, Bruno Barreto. O acadêmico de 26 anos mora no Jardim Guanabara 3 e estuda no Conjunto Itatiaia, bairros relativamente próximos. Ele precisa pegar dois ônibus e pagar duas tarifas para chegar à instituição de ensino, numa viagem que chega a demorar uma hora e trinta minutos nos horários de pico.

MP quer que serviço seja facilitado

A Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo (CMTC) estuda a instalação de guichês nos terminais de ônibus para reduzir a burocracia na aquisição do Cartão Integração. A aplicação da medida será discutida nesta semana em reunião entre o presidente do órgão, Marcos Massad, e o coordenador do Centro de Apoio Operacional (CAO) do Cidadão do Ministério Público Estadual (MP), Érico Pina.

O promotor de Justiça já fez a cobrança pela ampliação no oferecimento do serviço ao diretor do Sindicato de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de Goiânia (Setransp), Décio Caetano, no dia 30 de agosto. De acordo com Pina, o ideal é que o usuário possa fazer o passaporte na hora nos terminais, assim como ocorre em lojas e supermercados que tem os próprios cartões de compra.

Por meio da assessoria de imprensa do Setransp, Caetano informou que não vai comentar as possíveis mudanças na forma de aquisição do benefício nem as falhas do sistema.

Hoje, para fazer um Cartão Integração o interessado deve preencher um cadastro com dados pessoais e depois levá-lo com cópia da carteira de identidade e duas fotos 3x4 a uma agência dos Correios.

Quem opta por preencher as informações pela Internet não fica livre de levar a documentação pessoalmente. O MP quer que o processo seja facilitado, sem exigência de fotografia ou cadastramento. A CMTC e o Setransp se opõem, pois temem a ocorrência de fraudes.

Trânsito pode ganhar mais fluidez

Os ganhos com a implantação do Cartão Integração extrapolam o âmbito individual. Além dos usuários que abreviarão seus trajetos e pegarão menos ônibus, o trânsito na capital tende a ganhar fluidez e esta melhora deve ser percebida por toda a população da Região Metropolitana da capital, de acordo com avaliação do doutor em Engenharia de Transportes, Benjamim Jorge Rodrigues dos Santos.

O professor argumenta que o cartão promove integração física e tarifária, por meio da conexão entre dois ônibus com gasto de apenas uma passagem. "Quando melhora o transporte coletivo, o tráfego ganha fluidez e a população fica atraída a usá-lo. Promover essa migração é o grande desafio dos gestores hoje em dia", disse Benjamim Jorge.

O docente sustenta que o cartão traria melhoras em vários parâmetros de qualidade do transporte coletivo, como tempo de viagem e de espera pelo ônibus, velocidade média de deslocamento e lotação dos veículos. Ele garante que parcela significativa da população deverá deixar carros e motos em casa para o deslocamento de ônibus.